LP Canção do Amor Demais
Canção do Amor Demais é o famoso LP que Elizete Cardoso gravou em abril de 1958 e que passou a ser festejado como o disco que inaugurou a Bossa Nova. O disco é todo dedicado a canções da nova dupla Tom Jobim & Vinicius de Moraes e João Gilberto acompanhou Elizete em duas faixas (“Chega de Saudade” e “Outra Vez”), fazendo pela primeira vez a “batida de Bossa Nova”.
Texto do Disco
Elizeth Cardoso - Canção do amor demais
1958 Festa LDV 6002
01 - Chega de saudade (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
02 - Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes)
03 - As praias desertas (Tom Jobim)
04 - Caminho de pedra (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
05 - Luciana (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
06 - Janelas abertas (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
07 - Eu não existo sem você (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
08 - Outra vez (Tom Jobim)
09 - Medo de amar (Vinicius de Moraes)
10 - Estrada branca (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
11 - Vida bela (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
12 - Modinha (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
13 - Canção do amor demais (Tom Jobim - Vinicius de Moraes)
Long Play 12", Festa, LDV 6.002
Música: Antonio Carlos Jobim
Poesia: Vinicius de Moraes
Canta: Elizete Cardoso
Arranjos e regência: Antonio Carlos Jobim
Elizeth Cardoso - vocal
João Gilberto - guitar
Tom Jobim - piano
Vidal - bass
Dom Um Romão - drums
Copinha - flute
Edson Maciel - trombone
Irani Pinto - violin (concertmaster)
Nidia Soledade - cello
João Gilberto, Antonio Carlos Jobim & Walter Santos, backing vocals.
(http://bjbear71.com/Jobim/TJ-LPFesta.html#6002)
O mesmo Villarino onde Lúcio Rangel apresentara Vinicius ao Tom abrigaria, em fins de 1957, outro encontro histórico, envolvendo os autores de Orfeu da Conceição e o jornalista Irineu Garcia. Dois anos antes, o jornalista criara uma pequena produtora de discos chamada Festa, que até então se dedicara a gravar as vozes de poetas lendo suas próprias poesias. Agora, queria produzir um disco só de músicas da dupla, interpretadas por uma única voz - obrigatoriamente feminina. A escolhida foi Elizeth Cardoso. A princípio arredia à idéia, Elizeth acabou aceitando participar do disco. Uma das primeiras investidas brasileiras no que os americanos chamam de songbook, Canção do amor demais seria definido por Tom, dez anos depois, como "um marco, um ponto de fissão, de quebra com o passado". Com o passado do samba tradicional. De certo modo, foi em Canção do amor demais que a Bossa Nova fez sua primeira graça.
Gravado no estúdio da Columbia, com uma roupagem orquestral altamente sofisticada, encorpada por instrumentos (trompa, oboé, harpa, fagote, clarone) raramente usados para acompanhar músicas populares, o por vezes camerístico Canção do amor demais contou com a participação muito especial, numa das faixas, de um baiano chamado João Gilberto, cujo violão não tinha, sem hipérbole, similar, e de quem muito se ouviria falar nos meses, anos e décadas seguintes. Outros músicos da preferência de Tom, como o flautista Copinha, os trombonistas Gaúcho e Maciel, a violoncelista Nídia Soledade e o baterista Juca Stockler, participaram da antológica gravação. No repertório, nove músicas de Tom e Vinicius - "Chega de saudade", "Caminho de pedra", "Luciana", "Janelas abertas", "Eu não existo sem você", "Estrada branca" (só com Elizeth e Tom ao piano), "Vida bela", "Modinha", "Canção do amor demais") -, duas de Tom ("As praias desertas" e "Outra vez") e duas de Vinicius ("Serenata do adeus" e "Medo de amar"). À exceção de "Outra vez" e "Eu não existo sem você" (lançada no ano anterior por Vanja Orico), todas eram inéditas em disco. Só na hora de escolher o título do disco, o maestro e o poeta não conseguiram se afinar. Tom queria Chega de saudade; Vinicius preferia Eu não existo sem você. Prevaleceu a escolha de Irineu Garcia. Com uma tiragem inicial de duas mil cópias, o disco chegou às lojas em meados de 1958, abrindo caminho para duas outras produções similares, os discos Por toda minha vida, com Lenita Bruno, e Amor de gente moça, com Sylvinha Telles.
Texto de contracapa, por Vinicius de Moraes:
Dois anos são passados desde que Antonio Carlos Jobim (Tom, se preferirem) e eu nos associamos para fazer os sambas de minha peça "Orfeu da Conceição", de que restou um grande sucesso popular, "Se Todos Fôssem Iguais a Você" e, sobretudo, uma grande amizade. É notório que parceiros se desentendem: e a história da música popular brasileira está cheia dessas brigas de comadres, provocadas geralmente por vaidades e ciumadas, por um não querer o seu nome em baixo do nome do outro, quando não por motivos mais deselegantes e mesquinhos. Mas no nosso caso, não só essa amizade como um profundo afinamento de sensibilidades para a música, que constitui, sem dúvida, nossa distração máxima, tem determinado que fazer sambas e canções seja para nós um ato extraordinàriamente livre e gratuito, no sentido da fatalidade.
Este LP, que se deve ao ânimo de Irineu Garcia, é a maior prova que podemos dar da sinceridade dessa amizade e dessa parceria. A partir dos sambas de "Orfeu da Conceição", raras têm sido as vêzes em que, de um encontro meu com o maestro, não resulte alguma composição nova, por isso que eu creio ser essa a verdadeira linguagem da nossa relação. Ponha-se Antonio Carlos Jobim ao piano - e é difícil encontrá-lo longe de um - e em breve, de dois ou três acordes, nascerá entre nós um olhar de entendimento; e de seus comentários cifrados ("- Isto são as pedras, poeta!"; "- Os pequenos caracois listados debaixo das folhas sêcas..."; "- As grandes migrações corais..."; "- O outro lado do riacho..."; "- Chegamos à galaxia...") eu terei sabido extrair exatamente o que êle me quer ouvir dizer em minha letra. E nunca houve entre nós quaisquer reservas no sentido de um tirar o outro de um impasse durante o trabalho. É possível mesmo que tudo isso se deva ao fato de que êle crê na poesia da música e eu creio na música da poesia. Porque a verdade é que eu gosto das letras que, eventualmente, Tom também escreve, como "As Praias Desertas"; e a prova de que êle considera as músicas que eu, vez por outra, também faço, está no carinho com que orquestrou a minha "Serenata do Adeus" e o meu "Mêdo de Amar" - todos neste LP.
Nem com êste LP queremos provar nada, senão mostrar uma etapa do nosso caminho de amigos e parceiros no divertidíssimo labor de fazer sambas e canções, que são brasileiros mas sem nacionalismos exaltados, e dar alimento aos que gostam de cantar, que é coisa que ajuda a viver.
A graça e originalidade dos arranjos de Antonio Carlos Jobim não constituem mais novidade, para que eu volte a falar delas aqui. Mas gostaria de chamar a atenção para a crescente simplicidade e organicidade de suas melodias e harmonias, cada vez mais libertas da tendência um quanto mórbida e abstrata que tiveram um dia. O que mostra a inteligência de sua sensibilidade, atenta aos dilemas do seu tempo, e a construtividade do seu espírito, voltado para os valores permanentes na relação humana.
Não foi sómente por amizade que Elizete Cardoso foi escolhida para cantar êste LP. É claro que, por ela interpretado, êle nos acrescenta ainda mais, pois fica sendo a obra conjunta de três grandes amigos; gente que se quer bem para valer; gente que pode, em qualquer circunstância, contar um com o outro; gente, sobretudo, se danando para estrelismos e vaidades e glórias. Mas a diversidade dos sambas e canções exigia também uma voz particularmente afinada; de timbre popular brasileiro mas podendo respirar acima do puramente popular; com um registro amplo e natural nos graves e agudos e, principalmente, uma voz experiente, com a pungência dos que amaram e sofreram, crestada pela pátina da vida. E assim foi que a Divina impôs-se como a lua para uma noite de serenata.
Rio, abril de 1958.
Vinicius de Moraes
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