João Gilberto... em Santa Teresa...
Entre as pessoas que gostam de MPB, não há quem não tenha ouvido algum causo gilbertiano e, quando se aproximam dele, já chegam desconfiados. Algo de insólito está para acontecer. Ação e reação: mais na dele o João fica.
Minha impressão é a de que, como outras pessoas especialmente sensíveis, o João, faz muito tempo, perdeu a paciência para explicar as coisas, traduzir suas idéias e pensamentos. E hoje, mais experiente, acho que ele sempre teve razão. Quem entendeu, boa, que não entendeu que fique aí… boiando à toa.
Soube que, quando o João ia pra casa onde o pessoal do Quitandinha’s Serenaders morava e ensaiava em Santa Tereza (Rio de Janeiro), no meio da noite ele se animava. E tocava.
Vale lembrar que o bairro de Santa Tereza fica num morro e esta historinha se passa por volta de 1946. O silêncio da Cidade Maravilhosa lá embaixo era mais maravilhoso. Outro, maior, mais profundo.
E o João, claro, se esbaldava. Eram ele, sua voz – quase de sussurros – e o violão no meio da sala.
Mas, de repente, o João parava de tocar. E a moçada, fã incondicional do João Gilberto, ficava respeitosamente calada, todos, brincando de estátua.
Segundo o Alberto, eram eternidades de silêncio.
Eternidades estas que, assim ele achava, seriam coisas da personalidade rara do cantor.
E o silêncio só era quebrado pelo som de ferro do bonde descendo ou subindo pelos trilhos. Apesar dos cortes, todos se acostumaram com aquelas esquisitices do João.
Até que o Luis (Telles) entendeu tudo. Depois de confirmar sua desconfiança, explicou pra todo mundo.
Defronte da casa onde estavam, até o ponto final da linha do bonde, haviam quatro paradas:
O que o João fazia era calcular o tempo de silêncio onde “coubesse” uma música. Exatamente enquanto o bonde estava parado no ponto final da linha.
Mas, nem sempre, na madrugada, o condutor obedecia às regras. Provavelmente cansado, depois de um dia de trabalho e calor, com saudade da cama e da sua cabrocha, ele apressava a descida pra casa.
E o João, mesmo tocando, tinha ouvidos pra perceber lá longe que o as rodas de ferro começavam a ranger.
Parava de cantar, até que o bonde se afastasse, o saudade de casa do motorneiro abrandasse.
E o silêncio, em Santa Tereza, voltasse.
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